Por muitos anos, um dos pontos mais controversos e relevantes em matéria tributária residia na discussão relacionada à incidência de IRPJ e CSLL sobre os benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos Estados.
A discussão sempre girava em torno da qualificação, que era dividida em subvenção para custeio ou investimento, haja vista que esta última não deveria ser oferecida à tributação, apesar de classificada como receita do ponto de vista contábil, em atendimento aos pronunciamentos que regem a matéria.
Com o advento da Lei Complementar 160, de 2017, os contribuintes passaram a ter relativa segurança em relação à possibilidade de não oferecer os benefícios fiscais de ICMS à tributação do IRPJ e da CSLL, uma vez que passou a ser expressamente previsto que os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais, relativos ao ICMS, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstas no artigo 30 da lei 12.973/14.
Passamos aos principais requisitos do artigo 30 da lei em comento:
Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para:
I – absorção de prejuízos, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal; ou
II – aumento do capital social.
(…)
§ 4º Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo. (Incluído pela Lei Complementar nº 160, de 2017).
§ 5º O disposto no § 4º deste artigo aplica-se inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados. (Incluído pela Lei Complementar nº 160, de 2017).
Antes de seguir no objeto principal do tema aqui proposto, é relevante destacar que a Receita Federal do Brasil tem o entendimento de que o contribuinte ainda precisa comprovar que o incentivo fiscal possui efetiva característica de subvenção de investimento, apesar do claro comando da LC 160, de 2017, considerar todos como tal.
Com retorno ao tema, para o atendimento do artigo 30 da lei 12.973, o contribuinte pode afastar a tributação do IRPJ e CSLL sobre os benefícios de ICMS, entretanto tais valores não podem ser distribuídos aos acionistas na forma de dividendos.
Cabe lembrar que, em alguns casos, os valores envolvidos são muito expressivos, chegando ao ponto de os Estados renunciarem mais de 90% do ICMS devido, como é o caso do benefício do Espírito Santo, denominado COMPETE.
O tema se torna ainda mais relevante quando visto que a impossibilidade de distribuição aos acionistas não possui restrição temporal, ou seja, tais recursos deverão ser mantidos na empresa, sob pena de incidência tributária por prazo indeterminado, contribuindo para o aumento do Patrimônio Líquido, o que tende a desestimular os acionistas.
A despeito da legislação em comento, ainda vigente, o Superior Tribunal de Justiça consolidou a jurisprudência no sentido de que os créditos presumidos de ICMS não integram as bases de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.
Denota-se que a decisão do STJ foi pautada em uma discussão de mérito completamente diferente, da discussão acima descrita e que toma conta da agenda de discussões das empresas. O acórdão está assim ementado, in verbis:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.
I – Controverte-se acerca da possibilidade de inclusão de crédito presumido de ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
II – O dissenso entre os acórdãos paradigma e o embargado repousa no fato de que o primeiro manifesta o entendimento de que o incentivo fiscal, por implicar redução da carga tributária, acarreta, indiretamente, aumento do lucro da empresa, insígnia essa passível de tributação pelo IRPJ e pela CSLL; já o segundo considera que o estímulo outorgado constitui incentivo fiscal, cujos valores auferidos não podem se expor à incidência do IRPJ e da CSLL, em virtude da vedação aos entes federativos de instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.
III – Ao considerar tal crédito como lucro, o entendimento manifestado pelo acórdão paradigma, da 2ª Turma, sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.
IV – Tal entendimento leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo, em especial porque fundamentado exclusivamente em atos infralegais, consoante declinado pela própria autoridade coatora nas informações prestadas.
V – O modelo federativo por nós adotado abraça a concepção segundo a qual a distribuição das competências tributárias decorre dessa forma de organização estatal e por ela é condicionada.
VI – Em sua formulação fiscal, revela-se o princípio federativo um autêntico sobreprincípio regulador da repartição de competências tributárias e, por isso mesmo, elemento informador primário na solução de conflitos nas relações entre a União e os demais entes federados.
VII – A Constituição da República atribuiu aos Estados-membros e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS – e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de lei complementar.
VIII – A concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo. Embora represente renúncia a parcela da arrecadação, pretende-se, dessa forma, facilitar o atendimento a um plexo de interesses estratégicos para a unidade federativa, associados às prioridades e às necessidades locais coletivas.
IX – A tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.
X – O juízo de validade quanto ao exercício da competência tributária há de ser implementado em comunhão com os objetivos da Federação, insculpidos no art. 3º da Constituição da República, dentre os quais se destaca a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III), finalidade da desoneração em tela, ao permitir o barateamento de itens alimentícios de primeira necessidade e dos seus ingredientes, reverenciando o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento maior da República Federativa brasileira (art. 1º, III, C.R.).
XI – Não está em xeque a competência da União para tributar a renda ou o lucro, mas, sim, a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa, em desarmonia com valores éticos constitucionais inerentes à organicidade do princípio federativo, e em atrito com o princípio da subsidiariedade, que reveste e protege a autonomia dos entes federados.
XII – O abalo na credibilidade e na crença no programa estatal proposto pelo Estado membro acarreta desdobramentos deletérios no campo da segurança jurídica, os quais não podem ser desprezados, porquanto, se o propósito da norma consiste em descomprimir um segmento empresarial de determinada imposição fiscal, é inegável que o ressurgimento do encargo, ainda que sob outro figurino, resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias, tornando inócua, ou quase, a finalidade colimada pelos preceito legais, aumentando o preço final dos produtos que especifica, integrantes da cesta básica nacional.
XIII – A base de cálculo do tributo haverá sempre de guardar pertinência com aquilo que pretende medir, não podendo conter aspectos estranhos, é dizer, absolutamente impertinentes à própria materialidade contida na hipótese de incidência.
(…)
XVI – Embargos de Divergência desprovidos. (EREsp 1517492/PR, STJ, Primeira Seção, Rel. p/ acórdão Min. Regina Helena Costa, maioria, DJe 1º/02/2018).
Confira-se, também, o entendimento do TRF1 acerca da matéria:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. ICMS. CRÉDITO PRESUMIDO CONCEDIDO A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO BASE DE CÁLCULO DO IRPJ, CSLL, PIS E COFINS. IMPOSSIBILIDADE.
(…)
3. A impetrante desenvolve suas atividades também no Estado do Paraná, cuja Lei 14.985/2006 estabelece o seguinte: “Art. 1°. O estabelecimento industrial paranaense que realizar a importação, de bem ou mercadoria, através de aeroportos e dos portos de Paranaguá e Antonina, com desembaraço aduaneiro no Estado, poderá beneficiar-se com a suspensão do pagamento do ICMS devido nessa operação”.
4. O Superior Tribunal de Justiça firmou orientação acerca da inviabilidade da inclusão do crédito presumido do ICMS na base de cálculo do IRPJ e CSLL, “porquanto entendimento contrário sufragaria a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou” (…) 6. Apelação da impetrante provida e concedida a segurança. (AC 0004541-42.2009.4.01.3801/MG, TRF1, Oitava Turma, Rel. Des. Fed. Novély Vilanova, unânime, e-DJF1 27/07/2018 – grifei).
Depreende-se desses relevantes julgados que a decisão do STJ afasta os benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, em função da impossibilidade de a União prejudicar o incentivo concedido pelos Estados, que o faz no uso de suas atribuições constitucionais. Em outras palavras, a União não poderia exigir tributo sobre a renúncia fiscal do Estado.
Com efeito, o STJ pacificou o entendimento de que tais benefícios não podem ser levados à tributação, o que traz relevante argumento para afastar, por consequência, outras exigências, como por exemplo a não distribuição de dividendos.
Em face do exposto, estamos diante de uma excelente oportunidade para avaliação da possibilidade de os contribuintes terem segurança na questão da exigência tributária e ainda viabilizar a distribuição de dividendos, o que torna os incentivos muito mais atrativos.
Por fim, destacamos que o tema ainda é muito controverso e possui diversos desdobramentos em função da posição contrária da Receita Federal em vários sentidos. Assim, a melhor estratégia precisa ser avaliada individualmente, em conjunto com especialistas em matéria tributária.
Entre em contato com nossa esquipe de especialistas e entenda mais detalhes deste tema: ppc@ppc.com.br ou 55 11 3883-1600.
Conteúdo escrito por Marcus Vinicius Montanari, Sócio de Tax da PP&C Auditores Independentes (mv.montanari@ppc.com.br).