Decisões favorecem multinacional que trouxe ao Brasil seis funcionários estrangeiros
Uma multinacional americana conseguiu anular, tanto na Justiça do Trabalho quanto na Justiça Federal, autuações sofridas por não recolhimento de FGTS sobre rendimentos recebidos no exterior por funcionários estrangeiros que vieram trabalhar uma temporada no Brasil. As autuações somam cerca de R$ 4,8 milhões.
O tema ainda é pouco discutido no Judiciário e decisões como essas são raras, segundo advogados trabalhistas. Servem de precedente para as empresas que adotam a prática denominada de “split salary” – divisão da remuneração do empregado transferido para trabalhar em outro país, parte no local de origem e parte no de destino.
Hoje, o entendimento que predomina no Judiciário é o de que as empresas devem pagar FGTS e contribuições sociais sobre toda a remuneração. Anualmente, milhares de estrangeiros vêm trabalhar no Brasil. Em dezembro de 2018, eram 141.792 com vínculo formal ativo, de acordo com a última Relação Anual de Informações Sociais (Rais), divulgada em 2019 pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.
As discussões envolvendo expatriados, segundo André Fittipaldi, do escritório TozziniFreire Advogados, voltaram com força devido à pandemia e a adoção do home office. “O funcionário não precisa estar no local para prestar serviços. Muitas empresas adotaram o home office, que permite essa distância”, afirma.
O caso julgado envolve uma companhia que trouxe ao Brasil, por tempo determinado, seis funcionários de outros países, como Estados Unidos, México e Portugal. Todos já tinham contrato de trabalho no país de origem e o mantiveram vigente, com vencimentos.
No Brasil, recebiam remuneração pelos serviços prestados e sobre o valor a unidade brasileira recolhia mensalmente 8% de FGTS e as contribuições sociais. Contudo, a companhia foi autuada por fraude no contrato de trabalho. Os fiscais entenderam que, enquanto os funcionários estavam no Brasil, não haveria efetiva prestação de serviço no exterior.
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que o denominado split salary “não tem o condão de afastar a legislação brasileira no que tange aos direitos trabalhistas por ela assegurados: como 13º salário, FGTS e férias de 30 dias”. E acrescenta: “O serviço é prestado no Brasil, submetendo-se, portanto, às regras vigentes no país.”
No processo, porém, o advogado da multinacional, Luiz Afrânio Araújo, sócio do Veirano Advogados, apontou a existência de dois contratos de prestação de serviços distintos e vigentes. E destacou que o contrato no exterior está sujeito às leis e tributação do país de origem.
“Esse funcionário é remunerado no seu país pela sua disponibilidade e como forma de incentivo por ir morar fora. Ele está exercendo uma atividade a favor da empresa e vai voltar com um conhecimento diferente adquirido por meio dessa experiência”, diz o advogado.
Ao analisar o caso, o juiz federal substituto Dineu de Paula, da 15ª Vara Federal de Curitiba, extinguiu uma execução fiscal de aproximadamente R$ 4,5 milhões. Da decisão, cabe recurso (processo nº 5043334-35.2019.4.04.7000).
Segundo o magistrado, o artigo 15 da Lei nº 8.036, de 1990, não autoriza recolhimento de FGTS e da respectiva contribuição social sobre valores pagos por outra empresa, sediada no exterior, que também tem contrato de trabalho com um empregado contratado temporariamente no Brasil.
“Os pagamentos foram feitos no exterior, por empresa estrangeira, em moeda vigente no respectivo país. O simples fato de ambas as empresas fazerem parte do grupo econômico não autoriza a formulação de qualquer juízo negativo, como se de uma fraude se tratasse”, diz o juiz. “O interesse que a empresa estrangeira possui em ter seu empregado aqui laborando para outrem durante um tempo pode residir na experiência que ele adquire.”
Na 16ª Vara do Trabalho de Curitiba, a juíza Janete do Amarante também decidiu extinguir uma execução fiscal, no valor de R$ 287 mil, por suposta infração a normas trabalhistas. Ela afirma na sentença que a conclusão do auditor fiscal do trabalho de que houve conduta fraudulenta por parte da companhia “não foi baseada nos fatos constatados, mas em presunção”.
“Não há comprovação de irregularidade na conduta do grupo econômico defendida pela executada”, diz a juíza, acrescentando que não há empecilho para a manutenção de dois vínculos de trabalho, concomitantes, por um mesmo trabalhador, ainda que para empresas do mesmo grupo econômico (processo nº 0000986-03.2019.5.09.0651).
A PGFN informou que vai recorrer das decisões. Para o Luiz Afrânio Araújo, que defende a multinacional, “são decisões que incentivam financeiramente esse intercâmbio de funcionários, o que pode ser importante para o Brasil ao trazer novas ideias, novas culturas e tecnologias”.
Letícia Ribeiro, sócia do Trench Rossi Watanabe, entende que o grande desafio enfrentado em casos similares está em dar substância a esse contrato no exterior, para comprovar que há efetivamente uma prestação de serviço. Essa prova, acrescenta, pode ser feita com a apresentação de e-mails ou testemunhas.
Os tribunais, porém, segundo o advogado André Fittipaldi, tendem a manter essas autuações por entender que deve incidir FGTS sobre toda a remuneração do empregado. Existem algumas decisões desfavoráveis às empresas no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo.
Em 2012, o TRF entendeu, ao analisar o caso de uma outra multinacional americana, que “se a prestação de serviços é efetuada no Brasil, o contrato de trabalho se sujeita às regras da legislação brasileira, ainda que parte do pagamento seja efetuado no exterior pela empresa americana, uma vez que remunera a prestação de serviços realizada aqui” (processo nº 0007219-68.2006.4.03.6100).
O mesmo entendimento foi aplicado em outros casos analisados, em 2018 e 2019, pelos desembargadores do TRF da 3ª Região (processos nº 0002322-71. 2014.4.03.6114 e nº 0001044-98.2015.4.03.6114). Ambos envolvem uma multinacional alemã.
Fonte: Valor Econômico, por Adriana Aguiar, 01.09.2020