No dia 29.12.2023 foi publicada a Lei 14.789, que altera substancialmente o tratamento tributário das subvenções para investimento, colocando fim na aparente segurança jurídica finalmente alcançada no bojo do julgado do STJ de 2023 (Recurso Repetitivo, no REsp 1945110/RS, Tema 1.182). Apresentada pelo governo como uma modernização do sistema tributário, há expectativa de uma arrecadação adicional de R$ 35 bilhões já em 2024, contribuindo para reduzir o déficit fiscal.
Para um melhor entendimento do impacto, é mister esclarecer inicialmente que a referida Lei revoga importantes dispositivos da legislação tributária, visando estabelecer a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre as subvenções para investimentos dos contribuintes, notadamente em relação aos incentivos fiscais de ICMS. Em outras palavras, para uma empresa optante pelo Lucro Real, para cada R$ 100,00 de benefício de ICMS, haverá a incidência tributária de R$ 43,25 (IRPJ 25%, CSLL 9%, PIS, 1,65% e COFINS 7,6%).
Neste turno, de um lado os Estados abriram mão de arrecadação de ICMS para a atração de empresas, e de outro lado a União passa a arrecadar 43,25% destes mesmos benefícios, já a partir de 01.01.24, colocando em risco a viabilidade de diversos negócios que foram estruturados, com a previsibilidade e garantia de incentivos.
A nova Lei foi apresentada pelo governo como benéfica aos contribuintes, pois oferece a possibilidade da apuração de um crédito fiscal 25% a título de IRPJ sobre os mesmos benefícios, que poderão ser utilizados para abatimento de quaisquer tributos federais ou objeto de ressarcimento em espécie, com pouco destaque para o aumento da carga tributária mencionada.
Em uma primeira análise, o contribuinte pode concluir apressadamente que a recuperação do crédito em comento, resultará em aumento de carga tributária, no ainda relevante montante de 18,25% (Aumento do ônus tributário de 43,25% – Crédito Fiscal de 25%), entretanto, infelizmente não parece que isso será uma realidade para a maioria dos contribuintes.
Isto porque, nos termos da Lei somente será concedido o crédito se o ato concessivo da subvenção editado pelo ente federativo estabeleça expressamente as condições e as contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico, o que não se verifica nos principais incentivos como o COMPETE, INVEST, TTD etc.
A Lei ainda define o que se considera implantação e expansão do empreendimento econômico, in verbis:
- implantação – o estabelecimento de empreendimento econômico para o desenvolvimento da atividade a ser explorada por pessoa jurídica não domiciliada na localização geográfica do ente federativo que concede a subvenção;
- expansão – a ampliação da capacidade, a modernização ou a diversificação do comércio ou da produção de bens ou serviços do empreendimento econômico, inclusive mediante o estabelecimento de outra unidade, pela pessoa jurídica domiciliada na localização geográfica do ente federativo que concede a subvenção;
Além de exigir que o texto da legislação estadual contenha tais contrapartidas, há ainda necessidade de comprovação da relação das receitas de incentivos de ICMS com as às despesas de depreciação, amortização ou exaustão ou de locação ou arrendamento de bens de capital, relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômicos. Assim, não basta conter a contrapartida na legislação estadual, mas será necessário comprovar que os recursos dos incentivos de ICMS, foram destinados a compra de ativos (ex. máquinas, equipamentos, benfeitorias etc.).
Por fim, para a obtenção do crédito o contribuinte deverá providenciar a prévia habilitação junto a Receita Federal do Brasil, por meio da apresentação de diversos documentos, dentre eles da cópia da legislação Estadual, cujo procedimento já foi disciplinado por meio da Instrução Normativa 2170, publicada em 02.01.24.
Em face do exposto, considerando as características dos benefícios fiscais específicos de cada Estado, parece bem razoável prever que tais exigências irão impedir o aproveitamento do aludido crédito, com o provável indeferimento da habilitação por parte da Receita Federal do Brasil para empresas notadamente comerciais que, em geral não destinam os recursos dos incentivos fiscais de ICMS para a implantação e expansão nos exatos termos mencionados.
Em outro giro, diversos aspectos controversos da referida Lei começam a ser discutidos pelos contribuintes, na busca de medidas jurídicas protetivas, com destaque para:
- O STJ pacificou o entendimento de que os incentivos com características de crédito presumido, não estão sujeitos a incidência de IRPJ e CSLL, visto que resultaria em ofensa a imunidade reciproca. Isso significa que, a União não poderia exigir tributo sobre a renúncia do ICMS, ou ainda um Ente não poderia exigir tributo de outro; e
- Até o momento a jurisprudência não foi consolidada em relação a incidência de PIS e COFINS sobre as receitas de subvenções (RE 835818, cujo julgamento está suspenso desde 2021, com placar favorável aos contribuintes);
Considerando esses e outros diversos pontos questionáveis da nova legislação, em verdade, estamos diante a uma nova e necessária disputa dos contribuintes na esfera judicial, sob pena suportar o aumento de carga tributária que não foi adequadamente previsto no estabelecimento de empreendimento no Estado e coloca em risco sua manutenção.
Escrito por Marcus Vinicius Montanari (mv.montanari@ppc.com.br) – Sócio responsável pela área tributária da PP&C Auditores Independentes.