Em 29 de dezembro de 2022, para a surpresa de muitos, foi publicada a Medida Provisória n. 1.152, que altera a legislação do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, para dispor sobre as regras de preços de transferência.
Inicialmente, cabe ressaltar que nos termos do ordenamento jurídico brasileiro, tal dispositivo legal foi assinado pelo então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, que deixou o comando do país a partir de 1 de janeiro de 2023, dando lugar ao novo governante, Luiz Inácio Lula da Silva, que possui objetivos completamente opostos, uma vez que se trata de um novo governo com viés político de esquerda.
Assim, ao apagar das luzes do antigo governo, foi publicado todo um novo dispositivo legal relacionado a preços de transferência, alterando completamente os comandos até então vigentes. A nova medida entra em vigor em 1 de janeiro de 2024, sendo facultativo aos contribuintes a sua aplicação a partir de 1 de janeiro de 2023.
Como se trata de uma Medida Provisória, em termos práticos há a necessidade de aprovação pelo congresso nacional no prazo de 120 dias, sob pena de se tornar nula, ou seja, a sua vigência é provisória e precisa ser convertida em lei.
O governo se manifestou formalmente e justificou que a urgência decorre da recente alteração na política tributária dos Estados Unidos, que deixou de permitir o crédito tributário referente aos impostos pagos no Brasil, devido aos desvios existentes no sistema de preços de transferência brasileiro em relação ao princípio arm’s length – ou seja, condição ou fato de as partes numa transação serem independentes e estarem em pé de igualdade.
Assim, a menos que uma ação legislativa imediata fosse tomada, o país poderia experimentar uma redução significativa do investimento atual e perderia a competitividade para a atração de novos capitais, com impacto nos níveis de emprego, na economia, na transferência de conhecimento e tecnologia e, em última análise, também levar a perdas de receita tributária.
Outra razão exposta se deve às perdas de arrecadação tributária que o Brasil experimenta ano após ano, devido às diversas deficiências existentes na legislação brasileira, que permitem a erosão da base tributável e transferência de lucros (BEPS).
Em verdade, a Receita Federal do Brasil, em conjunto com a OCDE, já estava há 4 anos estudando o tema, assim a medida é resultado da constatação de lacunas e fragilidades existentes no atual sistema e de problemas decorrentes do seu desalinhamento e das interações com o padrão estabelecido pela OCDE, que prejudicam o ambiente de negócios, a inserção do país nas cadeias globais de valor, a segurança jurídica e a arrecadação de receitas tributárias.
A metodologia brasileira, em geral, vinha sendo muito criticada, uma vez que não respeitava o princípio arm’s length ao estabelecer diversas hipóteses de margem de lucro mínima e máxima, por meio de percentuais fixos pré-estabelecidos em lei, e que não possuíam qualquer fundamento econômico, gerando diversas hipóteses de dupla tributação ou dupla não tributação da renda.
Já a nova medida deixa claro que o objetivo a ser alcançado é o princípio arm’s length, com destaque para os seguintes pontos:
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Previsão expressa no início da medida de que os termos e as condições de uma transação controlada serão estabelecidos de acordo com aqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis;
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Aplicação de conceito mais amplo do que se considera partes relacionadas para a aplicação do TP, levando em consideração a influência que uma parte pode exercer sobre outra, direta ou indiretamente;
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Manutenção da obrigatoriedade de aplicação do TP às transações efetuadas por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil com qualquer entidade, ainda que parte não relacionada seja residente ou domiciliada em país que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a 17% (dezessete por cento);
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Para efeito da aplicação do princípio arm’s length, o delineamento da transação controlada será efetuado com fundamento na análise dos fatos e das circunstâncias da transação e das evidências da conduta efetiva das partes, com vistas a identificar as relações comerciais e financeiras entre as partes relacionadas e as características economicamente relevantes (termos contratuais, funções desempenhadas, riscos assumidos etc.);
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A análise de comparabilidade será realizada com o objetivo de comparar os termos e as condições da transação controlada, com os termos e as condições que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis;
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Autorização para quando se concluir que partes não relacionadas, agindo em circunstâncias comparáveis e comportando-se de maneira comercialmente racional, considerando as opções realisticamente disponíveis para cada uma partes, não teriam realizado a transação controlada conforme havia sido delineada, a transação poderá ser desconsiderada ou substituída por uma transação alternativa com o objetivo de determinar os termos e as condições que seriam estabelecidos por partes não relacionadas em circunstâncias comparáveis e agindo de maneira comercialmente racional;
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Será selecionado o método mais apropriado, e não o mais vantajoso para o contribuinte, como a regra anterior, dentre os seguintes:
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Preço Independente Comparável – PIC, que consiste em comparar o preço ou o valor da contraprestação da transação com os preços ou os valores das contraprestações de transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas;
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Preço de Revenda menos Lucro – PRL, que consiste em comparar a margem bruta que um adquirente de uma transação obtém na revenda subsequente realizada para partes não relacionadas com as margens brutas obtidas em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas;
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Custo mais Lucro – MCL, que consiste em comparar a margem de lucro bruto obtida sobre os custos do fornecedor em uma transação controlada com as margens de lucro bruto obtidas sobre os custos em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas;
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Margem Líquida da Transação – MLT, que consiste em comparar a margem líquida da transação controlada com as margens líquidas de transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas, ambas calculadas com base em indicador de rentabilidade apropriado;
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Divisão do Lucro – MDL, que consiste na divisão dos lucros ou das perdas, ou de parte deles, em uma transação controlada de acordo com o que seria estabelecido entre partes não relacionadas em uma transação comparável, consideradas as contribuições relevantes fornecidas na forma de funções desempenhadas, ativos utilizados e riscos assumidos pelas partes envolvidas na transação; e
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outros métodos, desde que a metodologia alternativa adotada produza resultado consistente com aquele que seria alcançado em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas.
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Definição mais ampla de commodity, como sendo o produto físico, independentemente de seu estágio de produção, e os produtos derivados, para os quais os preços de cotação sejam utilizados como referência por partes não relacionadas para se estabelecer os preços em transações comparáveis. Anteriormente havia uma lista taxativa do que se tratava de uma commodity;
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Indicação de que o método PIC é o mais adequado para commodity;
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Definição e aplicação das regras de TP sobre intangíveis, visto que até então a norma anterior determinava que não se aplicavam tais controles sobre os mesmos;
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Revogação das demais regras rígidas de limites de dedutibilidade para efeito de IRPJ e CSLL vigentes na legislação brasileira, ou seja, tais regras foram substituídas pelo TP, no bojo do princípio arm’s length;
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Definição e regras específicas para transações relacionadas a serviços intragrupos, a despeito de tais operações já estarem sujeitas ao TP desde a legislação anterior;
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Definição e regras específicas para contratos de compartilhamento de custos e reestruturação de negócios, visto que até então a norma anterior não tratava dos temas;
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No que se refere a transações financeiras:
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Será avaliado se, no fornecimento de recursos financeiros formalizados como operação de dívida, a transação será delineada, total ou parcialmente, como operação de dívida ou de capital. Os juros e as outras despesas relativas à transação delineada como operação de capital não serão dedutíveis para fins de cálculo do IRPJ e da CSLL; e
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Aplicação do princípio arm’s length para transações financeiras, ao contrário da atual taxa de juros e spread fixos previstos na lei anterior, apesar da medida mencionar situações em que devem ser aplicadas determinadas taxas como limite.
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Regras gerais relacionadas à documentação necessária;
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Definição das penalidades relacionadas ao descumprimento da nova legislação;
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Autorização para Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) estabelecer regramentos específicos para disciplinar a aplicação do princípio arm’s length;
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Autorização para a RFB instituir processo de consulta específico a respeito da metodologia a ser utilizada pelo contribuinte;
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Determinação legal de que nos casos de resultados acordados em mecanismo de solução de disputa previstos no âmbito de acordo ou convenção internacional para eliminar a dupla tributação de que o Brasil seja signatário, a autoridade fiscal deverá revisar, de ofício, o lançamento efetuado, a fim de implementar o resultado acordado em conformidade com as disposições, o objetivo e a finalidade do acordo ou da convenção internacional.
Apesar das alterações serem aguardadas e bem recebidas, agora suscitam diversas dúvidas e inseguranças, pois os contribuintes brasileiros não conhecem e não estão familiarizados com o princípio arm’s length.
Outro ponto que preocupa os contribuintes é ausência de base de dados necessários para a comparação das transações, uma vez que o Brasil possui poucos estudos econômicos e financeiros que poderiam ser utilizados com razoável segurança.
Em geral, a Medida Provisória apresenta apenas os principais comandos da nova regra brasileira de Transfer Price, sendo necessária e aguardada toda a sua regulamentação e os procedimentos do ponto de vista da sua operacionalização.
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Conteúdo escrito por Marcus Vinicius Montanari, Sócio de Tax da PP&C