Os efeitos da Medida Provisória 1.171/2023 – Tributação de rendimentos auferidos no exterior.
No último dia 30 de abril, o Governo Federal editou a Medida Provisória 1.171/2023, que trouxe diversas mudanças ao regime de tributação dos rendimentos de aplicações financeiras, investimentos em empresas controladas e trusts no exterior detidos por Pessoas Físicas.
Em linhas gerais, a alteração causará relevante impacto para os brasileiros que possuem investimentos no exterior, exigindo a revisão de toda a modelagem societária e financeira para o ano de 2024, sob pena de tornar tais investimentos menos atrativos e/ou não capturar as suas vantagens. Assim, este artigo tem como objetivo analisar os principais impactos da MP.
1. Quanto à força executória da MP.
Inicialmente, é importante pontuar que medidas provisórias são textos normativos, com força de lei, editados pelo Poder Executivo em situações de relevância e urgência, mas que devem ser apreciados pelo Congresso Nacional (Senado Federal e Câmara dos Deputados), a fim de serem convertidos em leis ordinárias, conforme disciplinado no artigo 62 da Constituição Federal do Brasil (CF/88).
As medidas provisórias têm validade de sessenta dias, sendo prorrogadas automaticamente por mais sessenta caso a matéria não seja apreciada no Congresso Nacional.
Dispõe ainda o § 2º da CF/88 que as medidas provisórias que tratarem sobre a majoração ou criação de tributos somente produzirão efeitos no ano subsequente ao de suas conversões em leis.
Assim, deveremos aguardar nos próximos meses a tramitação da MP 1.171/2023 no Congresso Nacional, o qual poderá aprovar, modificar ou rejeitar o texto proposto pelo Poder Executivo.
2. Quanto à tributação da Pessoa Física no Brasil em relação a aplicações financeiras diretamente no exterior.
2.1. Rendimentos de aplicações financeiras vigentes até 2023.
O artigo 21 da lei 8.981/1995, com redação dada pela lei 13.259/2016, estabeleceu as alíquotas e os limites para a tributação do ganho de capital auferido por Pessoas Físicas residentes no Brasil, conforme transcrevemos abaixo:
“Art. 21. O ganho de capital percebido por Pessoa Física em decorrência da alienação de bens e direitos de qualquer natureza sujeita-se à incidência do imposto sobre a renda, com as seguintes alíquotas:
I – 15% (quinze por cento) sobre a parcela dos ganhos que não ultrapassar R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais);
II – 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento) sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e não ultrapassar R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais);
III – 20% (vinte por cento) sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e não ultrapassar R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais); e
IV – 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento) sobre a parcela dos ganhos que ultrapassar R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).”
Destacamos que, de acordo com o artigo 24 da MP 2158-35/2001 (medida provisória editada antes da vigência das regras atuais e, portanto, vigente até hoje), para o valor dos ganhos apurados em aplicações financeiras mantidas no exterior, devem ser empregadas as regras de tributação relativas ao ganho de capital, aplicando-se as alíquotas de 15% a 22,5% e respeitando os limites trazidos na legislação.
Neste sentido, a administração tributária editou o Ato Declaratório Interpretativo 08/2003, que traz:
“Art. 1º O crédito de rendimentos relativos a aplicação financeira, inclusive depósito remunerado, realizada em moeda estrangeira por Pessoa Física residente no Brasil, implica a apuração de ganho de capital tributável, desde que o valor creditado seja passível de saque pelo beneficiário.”
Portanto, fica claro que o ordenamento jurídico brasileiro já contemplava a tributação de rendimentos auferidos de aplicações financeiras no exterior.
2.2 Rendimentos de aplicações financeiras a partir de 2024.
Conforme visto anteriormente, hoje a tributação dos rendimentos auferidos em aplicações financeiras no exterior devem ser tributados pelas mesmas regras de tributação do ganho de capital, com alíquotas progressivas de 15% a 22,5%, sendo a primeira faixa para rendimentos até R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e a segunda faixa para rendimentos superiores a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).
Com a nova MP, as alíquotas serão um pouco diferentes, mas o mais relevante são as mudanças de faixas, tal como segue:
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0% para rendas de até R$ 6.000,00 por ano;
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15% para rendas entre R$ 6.000,01 e R$ 50.000,00 por ano; e
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22,5% para rendas acima de R$ 50.000,00.
Assim, diferente do que afirma o Poder Executivo, já havia regras para tributação desses rendimentos, sendo que, com o novo modelo, os rendimentos que eram tributados à alíquota de 15% (alíquota aplicada até R$ 5 milhões de renda) poderão ser tributados à alíquota de 22,5% (alíquota que será aplicada a partir de renda de R$ 50 mil em 2024).
3. Quanto aos rendimentos auferidos por Pessoas Jurídicas controladas no exterior (offshore).
3.1. Tributação de lucros e dividendos auferidos por empresas controladas no exterior – vigente até 2023.
A lei 7.713/88, combinada com a lei 9.250/95, estabelece que os rendimentos recebidos decorrentes de lucros e dividendos de empresas no exterior deverão ser tributados para fins do Imposto de Renda no Brasil.
Neste sentido, a administração tributária editou a Instrução Normativa 1.500/2014, que trouxe o seguinte texto:
“Art. 53. Está sujeita ao pagamento mensal do imposto a Pessoa Física residente no País que recebe:
II – rendimentos ou quaisquer outros valores de fontes do exterior, tais como trabalho assalariado ou não assalariado, uso, exploração ou ocupação de bens móveis ou imóveis, transferidos ou não para o Brasil, lucros e dividendos;”
Assim, verifica-se a possibilidade de diferimento dos ganhos auferidos no exterior percebidos por Pessoas Jurídicas até o momento em que esses ganhos sejam efetivamente transferidos para as Pessoas Físicas investidoras.
As alíquotas aplicadas são aquelas da tabela progressiva do Imposto de Renda, ou seja, podem variar de 0% até 27,5%, sob a forma de recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão).
3.2. Tributação de lucros e dividendos auferidos por empresas controladas no exterior – a partir de 2024.
A nova MP também visa coibir o diferimento da tributação dos lucros auferidos pelas Pessoas Físicas por meio de Pessoas Jurídicas constituídas no exterior.
Pela nova regra, a tributação ocorrerá em 31 de dezembro de cada ano, no momento em que os lucros forem apurados no balanço, independentemente de qualquer ato de deliberação de distribuição de dividendos, com as seguintes alíquotas:
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0% para rendas de até R$ 6.000,00 por ano;
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15% para rendas entre R$ 6.000,01 e R$ 50.000,00 por ano; e
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22,5% para rendas acima de R$ 50.000,00.
É importante ressaltar que não serão todas as offshores que serão afetadas pela nova regra, visto que somente estarão sujeitas ao novo regime de tributação aquelas empresas situadas em países com baixa tributação ou que não tributem à renda e às Pessoas Jurídicas que não possuam renda ativa acima de 80% da renda total. Entende-se por renda ativa aquela decorrente de atividade econômica (compra, venda, prestação de serviços etc.).
A definição legal de jurisdição com baixa tributação ou que não tribute à renda consta do artigo 24 da lei 9.430/1996 e do artigo 24-A da lei 9.430/1996, e em regra compreende aqueles países que exigem a tributação da renda em montante inferior a 17%.
A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) divulga uma lista dos países e regimes fiscais enquadrados em tais definições na Instrução Normativa RFB 1.037/2010, que é atualizada de tempos em tempos. Entretanto, essa lista não cobre todos os países ou regimes que, na vida real, não tributam o lucro das empresas offshore.
Consoante a mudança exposta, depreende-se que o contribuinte brasileiro deverá oferecer os rendimentos da sua controlada no exterior em 31 de dezembro de cada ano, independentemente de a controlada liquidar ou realizar os seus investimentos, ou seja, estará sujeito ao pagamento do imposto no Brasil sem mesmo ter acesso ao dinheiro do próprio rendimento da controlada, o que implicará em diversas discussões futuras em torno da efetiva capacidade contributiva.
Denota-se ainda que, ao exigir a tributação dos lucros das controladas por competência, antes da realização de seus investimentos, entendemos que haverá uma tendência a desestimular a manutenção dessas companhias no exterior, haja vista que, conforme dito, na hipótese de o contribuinte realizar o investimento diretamente no exterior (ex.: aplicação financeira), a incidência tributária deverá ocorrer apenas no momento da realização.
Assim, a reflexão e os estudos deverão ser mais profundos, uma vez que a constituição de uma empresa no exterior, em muitos casos, não tem como objetivo apenas a racionalização tributária, mas também a organização societária e sucessória familiar.
Nos termos do texto provisório, não basta migrar a companhia para um país que tributa a renda em montante superior a 17%, visto que a exigência tributária em comento atinge qualquer companhia que possui renda passiva (juros, royalties, dividendos, aplicações financeiras etc.) superior a 20% do total.
Por fim, a despeito dos impactos negativos para os contribuintes mencionados, como ponto positivo é possível destacar que, em geral, a tributação ocorria mediante a aplicação da alíquota de 27,5% e, com a mudança, ela passará a ser de 22,5%.
3.3. Tributação de lucros e dividendos auferidos por empresas controladas no exterior – controle dos lucros auferidos até 31.12.2023.
Os lucros das Pessoas Jurídicas situadas no exterior, apurados antes de a MP entrar em vigor, serão tributados somente no momento da disponibilização. No entanto, essa tributação ocorrerá seguindo as alíquotas vigentes no momento da disponibilização.
3.4. Tributação de lucros e dividendos auferidos por empresas controladas no exterior – compensação de prejuízos.
Pelas novas regras, os prejuízos apurados em balanço por offshores somente poderão ser compensados com lucros da mesma controlada, desde que apurados em momento posterior à vigência da MP e anteriores à apuração do lucro.
A MP não apresenta qualquer tipo de limitação temporal para a utilização dos prejuízos, porém também não apresenta qualquer hipótese de atualização.
3.5. Tributação de lucros e dividendos auferidos por empresas controladas no exterior – abatimento do tributo devido no exterior.
Na determinação do imposto devido, a Pessoa Física poderá deduzir, na proporção de sua participação no capital social, ou equivalente, o imposto sobre a renda pago no exterior pela controlada e suas investidas, incidente sobre o lucro computado na base de cálculo do imposto a que se refere este artigo, até o limite do imposto devido no país.
O novo comando não exige qualquer outra exigência para a compensação, entretanto, entendemos que o tema irá gerar inúmeros problemas e deverá ser analisado caso a caso, uma vez que o contribuinte deverá apurar o imposto devido no Brasil por competência em 31 de dezembro de cada ano e o imposto devido no exterior, em geral, é devido em momento posterior.
4. Quanto às regras para os trusts.
Os trusts, que até então não tinham um tratamento específico a ser seguido no Brasil, passaram a ser regulados.
Pelas novas regras, o instituidor (settlor) deverá informar em sua declaração todos os bens destinados e tributar todos os rendimentos auferidos pelo trust, salvo se o beneficiário (beneficiary) já havia declarado anteriormente o trust para as autoridades brasileiras.
Desta feita, a despeito da manutenção de um trust, do ponto de vista tributário haverá total transparência em relação à composição analítica do patrimônio e consequente exigência tributária, em modelo semelhante à realização de investimentos diretos.
5. Quanto às regras de atualização dos valores dos bens e direitos.
Apesar de todas as medidas apresentadas refletirem aumento da arrecadação tributária, a aludida MP traz uma excelente hipótese de racionalização tributária.
Nos termos da MP, a Pessoa Física residente no país poderá optar por atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados na sua DAA para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2022, bem como por tributar a diferença para o custo de aquisição, pelo IRPF, à alíquota definitiva de 10% (dez por cento).
A opção se aplica a:
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aplicações financeiras;
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bens imóveis em geral ou ativos que representem direitos sobre bens imóveis;
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veículos, aeronaves, embarcações e demais bens móveis sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária; e
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participações em entidades controladas.
A opção poderá ser exercida em conjunto ou separadamente para cada bem ou direito no exterior e o imposto deverá ser pago até 30 de novembro de 2023.
Não poderão ser objeto de atualização:
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bens ou direitos que não tiverem sido declarados na DAA relativa ao ano-calendário de 2022, entregue até o dia 31 de maio de 2023;
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bens ou direitos que tiverem sido alienados, baixados ou liquidados anteriormente à data da formalização da opção de que trata este artigo; e
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joias, pedras e metais preciosos, obras de arte, antiguidades de valor histórico ou arqueológico, animais de estimação ou esportivos e material genético de reprodução animal, sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária.
Depreende-se assim uma excelente hipótese de redução do ônus tributário, uma vez que, em geral, os contribuintes possuem diversos rendimentos no exterior que não foram objeto de tributação em razão das atuais regras de diferimento, e que, em uma única oportunidade, eles poderão realizar por meio da antecipação do pagamento do tributo a aplicação da alíquota de 10% sobre rendimentos que são sujeitos às alíquotas de 15% a 27,5% e que seriam tributados no futuro.
6. Conclusões.
Diante do exposto, entendemos que estamos diante de diversas alterações que impactam diretamente a realização de investimentos no exterior e que precisam ser avaliadas individualmente. Com tais mudanças, recomendamos que os modelos e estruturas sejam revistos, visando mitigar os eventuais impactos, levando em consideração a fortuita perda de eficiência tributária, em comparação com outras variáveis, como a proteção cambial, e objetivos de consolidação de patrimônio em decorrência de aspectos sucessórios.
Por fim, gostaríamos de destacar que a PP&C possui um time multidisciplinar de especialistas em matéria tributária internacional em mais de 125 países e pode ajudar a avaliar todos os impactos decorrentes dessa MP, por meio do entendimento das características do seu patrimônio e a identificação das melhores alternativas legais.
Entre em contato com a nossa equipe de especialistas e entenda mais detalhes sobre o tema: ppc@ppc.com.br ou +55 11 3883-1600.
Conteúdo escrito por Marcos Vinicius de Freitas Gutierres, Diretor de Tax da PP&C Auditores Independentes (mvf.gutierres@ppc.com.br).